Para que serve um amigo? Para
rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra
festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as
alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado
esquerdo do peito.
Milan Kundera, escritor tcheco,
escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é
indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do
próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso
espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é
uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria
desarmado contra seus inimigos.
Verdade verdadeira. Amigos
recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo
contruído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com
solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.
Um amigo não racha apenas a
gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha
segredos.
Um amigo não empresta apenas a
prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor
e a jaqueta.
Um amigo não recomenda apenas um
disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.
Um amigo não dá carona apenas pra
festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.
Um amigo não passa apenas cola.
Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.
Um amigo não caminha apenas no
shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao
teu lado.
Um amigo não segura a barra,
apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o
palavrão, segura o elevador.
Duas dúzias de amigos assim
ninguém tem. Se tiver um, amém.
Martha Medeiros
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